Para além da diversão, carnaval é oportunidade de pesquisa

 

Nem só de folia vive o carnaval. Esta época do ano também desperta interesse científico em pesquisadores na Universidade do Estado do Pará (Uepa). Os estudos ajudam a compreender as influências que originaram os festejos de momo no estado.

De acordo com o professor doutor em História, Tony da Costa Leão, o carnaval no Pará tem origem a partir da colonização. “Em um momento de construção da cultura local no final do século XIX, tivemos referências europeias nos bailes de máscaras, gêneros musicais e brincadeiras como o entrudo. Depois foram incorporados elementos característicos da região, como os batuques, carimbós e os bois bumbás, que fizeram parte do carnaval por muito anos”, comenta.

Mais tarde, com a fundação da primeira escola de samba de Belém, em 1934, foi introduzido um modelo de festejo que já se fazia no sudeste do Brasil. O Rancho Não Posso me Amofiná foi a quarta agremiação fundada no país e somou-se a outras manifestações pré-existentes no estado como os blocos e cordões de frevo pernambucano, que passaram a se tornar comuns na capital paraense a partir da década de 1950.

A diversidade de manifestações também está presente nos chamados “assustados” que ocorriam dos anos 30 aos 50. “Era uma brincadeira de carnaval em que os amigos se reuniam, criavam uma festa com grupo musical, comida, bebida e invadiam uma casa para dar susto no dono. Na maior parte das vezes havia um acordo pré-estabelecido com os familiares. Era uma prática que foi muito comum no Pará, em Belém particularmente”, afirma Tony.

A manifestação fazia tanto sucesso que foi adaptada para as rádios da época, em que o ouvinte era sorteado para receber uma festa em casa. De acordo com o pesquisador, não se tem registro dos assustados ocorrerem em outras localidades, sendo uma manifestação tipicamente local.

De acordo com as pesquisas de Tony, as indumentárias nos festejos carnavalescos sempre existiram para agradar desde as elites às camadas mais populares. Os bailes com concursos de fantasias, muitos deles luxuosos, resistem há mais de setenta anos, como o Rainha das Rainhas.  Há opções mais baratas no interior do estado, onde é comum as pessoas se sujarem com farinha de trigo para fazer a fantasia no carnaval do sujo. Em Curuçá, no nordeste do estado, o bloco Pretinhos do Mangue é formado por brincantes que cobrem a pele com lama.

Os blocos de rua e a participação dos carros som são característicos da região. “A cultura das aparelhagens é antiga no Pará. Alguns documentos falam em rádios do subúrbio na década de 1940. Era uma eletrola, um gramofone onde se colocava uma boca de ferro e fazia a sonorização dos ambientes das festas, inclusive os bailes de carnaval”, frisa Tony. “Assim como havia manifestações populares como os bois bumbás são também inseridos elementos tecnológicos no carnaval. É o caso das aparelhagens, carros som e até as bikes som, uma peculiaridade da região”, conclui.

Carnaval e afro religiosidade na Amazônia

Entender a presença da religião africana na manifestação cultural que é o carnaval foi o tema central da pesquisa desenvolvida pela cientista da religião Larissa Nascimento. O trabalho tomou como base elementos presentes no carnaval da Escola Embaixada de Samba do Império Pedreirense. O objetivo geral da pesquisa se concentrou na identificação de expressões da religiosidade africana no samba enredo “A Coroa do Império no Batuque da Pedreira”.

“Eu sempre tive interesse em assuntos relacionados às religiões africanas. Algo semelhante ao que ocorria com o samba, ritmo musical de raiz africana, que constantemente estava presente em minha vida”, pontua Larissa Nascimento.

A pesquisa pôde constatar a forte herança deixada pelos negros na Pedreira durante o processo de escravização na Amazônia. São marcas presentes na cultura, na culinária e no dia a dia das pessoas. Era justamente nesse bairro que muitos escravos se dirigiam para manifestar sua fé. Fugindo de perseguição e repressão, eles se deslocavam para áreas mais afastadas do centro, a fim de praticar a religião africana. 

Todas essas marcas compõem a identidade da Pedreira, conhecida por ser “o bairro do samba e do amor”. Tal apelido foi utilizado por causa dos festejos e elementos do carnaval presentes no local, a exemplo da Aldeia Cabana. “ O trabalho fala para além da religiosidade. É cultura popular. É reafirmar a identidade negra na Amazônia, uma identidade de resistência”, enfatiza Larissa.

O trecho do samba confirma a idade afro-brasileira: “Simples como um toque de magia/ O negro assim surgia/ No terreiro de Umbanda/ E a Pedreira na avenida/ Transforma o batuque em samba/ Obatalá....Vem me ajudar/ Para a liberdade conquistar”.

 “ A Amazônia tem uma identidade negra e ela foi refletida nesse samba enredo. Nós temos características e heranças que fazem parte da vivência na Amazônia, sendo o carnaval uma delas. São elementos da cultura popular que estão presentes no nosso dia a dia”, destaca a pesquisadora.

Texto: Dayane Baía e Marcus Passos
Fotos: Nailana Thielly

Cristino Martins/Ag. Pará
Cláudo Santos/Ag. Pará
Carlos Sodré/Ag. Pará