Pesquisa desenvolve simuladores para uso no ensino

 

Uma pesquisa inédita desenvolvida na Universidade do Estado do Pará (Uepa) apostou no uso de simuladores para facilitar o ensino dos alunos do curso de Medicina, na área cirúrgica. A execução de procedimentos médicos por meio de bonecos, simuladores e modelos de treinamento funciona como recurso de ensino-aprendizagem da área médica, segundo a Associação Brasileira de Medicina (ABM). Mas o material produzido na Universidade se diferencia dos demais pelo fato de os simuladores serem adaptados para a realização de procedimentos cirúrgicos. Por fora, parecem modelos comuns, mas internamente possuem equipamentos capazes de simular anomalias e malformações e os procedimentos corretos em cada caso.

A pesquisa é resultado da dissertação “Desenvolvimento e validação de simuladores cirúrgicos e pediátricos para uso no ensino”, elaborada pela pesquisadora e pediatra, Lêda Lima da Silva, no Mestrado Profissional em Cirurgia e Pesquisa Experimental (CIPE) da Uepa . A pesquisadora observou em sua vivência prática a necessidade da criação de simuladores para uso na educação de graduandos, residentes e profissionais da área da saúde com o objetivo de diminuir complicações na prática profissional. 

Durante o processo de produção do projeto foram concebidos sete modelos de treinamentos alternativos, sendo cinco desenvolvidos pela pesquisadora e o restante em processo colaborativo com outros mestrandos e docentes do programa para uso no curso de medicina da Uepa na disciplina Habilidades Cirúrgicas e Pediátricas. São eles: um boneco equipado para fazer a sondagem orogástrica em recém-nascidos, lactentes e crianças, que é uma forma alternativa de alimentação; um boneco capaz de simular a atresia de esôfago, uma anomalia da formação do intestino, e o funcionamento do Sistema de Venturi, responsável pela aspiração e vias aéreas; e outro boneco adaptado para fazer a sondagem e a verificação da imperfuração anal em recém-nascido. 

Além desses três modelos voltados ao tratamento de bebês, também foram desenvolvidos simuladores de mão e pé para representar a anestesia nessas duas extremidades; um modelo que simula tecidos humanos para o ensino dos procedimentos de diérese e síntese, respectivamente, separação e junção de tecidos; e, por fim, um simulador para a realização da sondagem vesical masculina.

Um dos maiores desafios do projeto foi encontrar materiais sintéticos que se assemelhassem às estruturas que compunham a anatomia e fisiologia dos tecidos humanos. Nesta etapa foram testados mais de trezentos e trinta materiais diferentes, avaliados quanto a sua funcionalidade, anatomia e semelhança com o ser humano para que pudessem ser submetidos ao processo de validação.

O desenvolvimento dos simuladores estendeu-se por um período de um ano e oito meses e ocorreu em processo colaborativo entre a pesquisadora, docentes de instituições de ensino superior, profissionais da área médica, estudantes de graduação em medicina e alunos do ensino médio por meio de oficinas sobre saúde e uso dos modelos de treinamento. “A minha pesquisa teve um contexto colaborativo que envolveu diversos profissionais e estudantes que participaram de alguma fase do projeto, sendo que todos foram incluídos nos processos das patentes e artigos que foram gerados durante a pesquisa e relacionados ao desenvolvimento e validação dos simuladores”, afirmou a professora Lêda Lima da Silva. 

A pesquisadora, também, submeteu o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para obtenção da aprovação em três faculdades de medicina da região metropolitana de Belém sendo a Universidade do Estado do Pará, Centro Universitário Metropolitano da Amazônia e Universidade Federal do Pará. O processo de validação dos simuladores ocorreu por meio da avaliação de trinta docentes, sendo: dez cirurgiões, dez pediatras-neonatologistas e dez anestesistas, os quais possuem ampla experiência nos procedimentos realizados. Os docentes avaliaram os modelos de treinamento e preencheram um questionário de Likert, revelando o seu nível de concordância com as afirmativas relacionadas aos simuladores. Todos os simuladores obtiveram conceito excelente, sendo validados para uso no ensino. “O uso dos simuladores possibilitarão mais momentos de treinamento prático dos graduandos com o objetivo de aumentar seu histórico de atuações referente a cada procedimento que os modelos proporcionam”, comentou a professora Lêda Lima da Siva. 

“Este projeto traz uma perspectiva de inovação que dialoga com as diretrizes do Mestrado Profissional CIPE, por meio do Projeto Pedagógico e com as Diretrizes Nacionais do Curso de Medicina, tanto para questão educacional quanto para questão ética ao pensar no desenvolvimento de modelos de simulação que possam ocupar o lugar dos ratos de laboratório gradativamente”, ponderou o coordenador do Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Uepa, Prof. Dr. Anderson Bentes de Lima.

Formação – Preocupadas com a segurança e a qualidade da prestação de cuidados de saúde aos doentes e com a necessidade de reduzir o erro médico, instituições de ensino estimulam a aprendizagem por novos caminhos, um deles o uso da simulação de procedimentos médicos por meio de simuladores validados. A técnica permite um avanço no desenvolvimento tecnológico-científico frente aos modelos pedagógicos anteriores, e coloca a serviço de quem ensina e de quem aprende novos modelos para a formação de futuros profissionais.

A Uepa já possui simuladores em uso nas disciplinas do Curso de Medicina, uma delas, a de “Habilidades Cirúrgicas”. “O uso dos simuladores possibilitará mais momentos de treinamento prático dos graduandos, com o objetivo de aumentar seu histórico de atuações referente a cada especialidade que os modelos proporcionam. Os modelos de treinamentos alternativos desenvolvidos na pesquisa para simulação e procedimentos médicos acrescentam um conjunto de pistas interativas visuais e táteis aos modelos pedagógicos tradicionais, recriando de forma realista um cenário para execução de tarefas em múltiplos domínios cirúrgicos e clínicos”, afirma a pesquisadora.

A simulação como metodologia educativa é centrada no aluno e nas necessidades de aprendizagem, em vez de focar no doente. Assim, os estudantes se envolvem na humanização do processo de aprendizagem, pois os modelos podem ser substituídos ao uso de animais de laboratório, de cadáveres e pacientens reais. Os simuladores proporcionam uma exposição proativa e controlada dos alunos a desafios clínicos progressivamente mais complexos, incluindo aquelas situações potencialmente fatais, que não poderiam ser treinadas de outra forma, ou seja, aumentar a segurança dos pacientes em função de a simulação favorecer também o desenvolvimento de competências e habilidades correspondentes a processos clínicos e cirúrgicos da prática profissional, e vai além dos aspectos técnicos e tecnológicos, se estendendo ao desenvolvimento de análise, síntese e tomada de decisão

“O uso de simuladores proporciona um ambiente mais próximo daquilo que iremos encontrar na prática, como avaliação de recém-nascidos e pequenos procedimentos cirúrgicos, que são os modelos desenvolvidos pela professora Leda. Além de nos deixar mais confiantes quando for executa-los nos pacientes”, conta a aluna Geovanna Mourão Pantoja, do 7° semestre de Medicina.

A futura médica acredita que além de ter um potencial significativo, o uso de simuladores é essencial.  “As grandes universidades da área da saúde utilizam cada vez mais simuladores, pois tem inúmeras vantagens. O aluno poder treinar várias vezes até corrigir seus erros, capacitar para situações clínicas que talvez iremos nos deparar apenas quando formados, e principalmente, por ser o método mais ético de se aprender. Antigamente os alunos aprendiam direto com paciente, o que aumentava a taxa de erro. Agora com esses recursos mais atuais, já se tem resultados melhores e profissionais mais qualificados”, defende Geovanna.

Mestrado – A pesquisa de Leda Lima teve início no ano de 2016, quando ingressou no Mestrado CIPE da Uepa.  A produção se insere socialmente, na medida em que há formação de recursos humanos qualificados para melhorar a assistência no Sistema Único de Saúde (SUS), além de diminuir conflitos bioéticos relacionados ao uso de animais de laboratório e cadáveres, que poderão ser substituídos pelos simuladores desenvolvidos para o auxílio no processo de ensino-aprendizagem dos cursos de medicina.

“É uma característica do Mestrado Profissional a busca de resoluções práticas da área médica com o intuito de contribuir para a realidade do aprendizado dos graduandos de medicina, além de carregar uma perspectiva social que oferece resultados para a comunidade paraense”, comentou o docente permanente do programa de Mestrado Profissional CIPE, Prof. Dr. Robson Domingues.

Ao final da pesquisa começou o depósito das patentes dos simuladores criados através da participação ativa do Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia da UEPA (NITT- UEPA),. Os modelos de sondagem e imperfuração anal, e sondagem orogástrica e atresia de esôfago foram depositados como patentes de invenção, pelo caráter inédito das mesmas no cenário mundial. “O depósito de patentes deve ser estimulado e valorizado em nosso país, visto que os pesquisadores brasileiros possuem grande capacidade criativa e inventiva, a patente é a forma mais eficaz de proteger as descobertas geradas nas Universidades brasileiras, propiciando ganho financeiro tanto para a Universidade, quanto para os pesquisadores envolvidos na patente”, afirmou a pesquisadora.

 

Texto: Daniel Leite Jr

Fotos: Daniel Leite Jr / Nailana Thiely