Respeito é principal reivindicação indígena na educação

 

“Nosso principal dilema é o método desta educação. Nós temos há milhares de anos, nossa forma de aprender, nossa forma de ensinar, nossa pedagogia, nós temos nossa forma de ver as ciências. E essa forma foi atropelada pela chegada dos portugueses e a gente ficou aleijado do nosso processo de desenvolvimento científico, agora a gente vem retomando isso. Os europeus fizeram conosco uma espécie de escravidão científica". A voz de Kwarahý Tembé Tenetehar, indígena de 54 anos, visitante da 23ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes é uma, entre a de tantos povos ouvidos nesta sexta-feira, 30, dia dedicado a discutir a temática indígena na programação que segue até 1º de setembro no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia.

Três mesas redondas incluíram representantes de povos tradicionais e intelectuais da área,  às 16h, 17h e 19h, na Arena Multivozes, para aprimorar o debate sobre os dilemas da educação, a proteção cultural e as principais reivindicações indígenas do país na atualidade: “Patrimônio e Memória: Perpetuação, vivência e cultura”, com Ivânia dos Santos Neves (PA) e Matânia Suruí (PA); "Direitos indígenas na academia, instituições e sociedade", com Time I Assurini (PA) e Juma Xipaia (PA); e “Os dilemas da educação escolar indígena”, com Lili Chipaia (Seduc) e Joelma Alencar (Uepa).

Para Lili Chipaia, coordenadora de Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), a melhor forma de se defender do preconceito é enfrentá-lo. "Combatemos a discriminação fortalecendo nossa identidade, não nos envergonhando de dizer que somos, buscando respeito. Dentro das políticas afirmativas, ainda existe preconceito institucional. É necessário que a academia em seu processo tradicional faça a reciclagem de professores para receber o diferente, para garantias básicas de direitos humanos", disse. 

Constitucionalmente os Povos Indígenas têm direito a uma educação escolar específica, diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, conforme define a legislação nacional que fundamenta a Educação Escolar Indígena. Seguindo o regime de colaboração, posto pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (MEC), cabendo aos Estados e Municípios a execução para a garantia deste direito dos povos indígenas.

Educação Intercultural e respeito às tradições - A Uepa por meio do Núcleo de Formação Indígena (NUFI) desenvolve desde 2012 uma Política Indigenista que atende às demandas específicas dos povos indígenas do Estado. A Instituição trabalha com pedagogia intercultural, a partir dos projetos próprios de educação de cada povo, decidido em reuniões com representações indígenas. Na Licenciatura Intercultural Indígena, os professores da Universidade dão aula na própria aldeia do povo, como forma de troca de saberes, estímulo à permanência do aluno no curso e solução de possíveis problemas de locomoção para os polos. 

Em média, são ofertadas 40 vagas por turma de formação de professores indígenas em nível de graduação, 40 vagas por povo em nível de especialização e 20 vagas no total no Mestrado Educação Escolar Indígena. A Instituição também tem atuado nas demandas específicas de assessoramento técnico na política de atendimento aos indígenas venezuelanos que estão em mais de 400 Warao na cidade de Belém. 

Até este ano, foram formados cerca de 180 professores no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena e 25 especialistas pelo Curso de Especialização Docência em Educação Escolar Indígena. Atualmente, a Universidade conta com 231 acadêmicos de graduação e 16 alunos de mestrado.

Para a professora Joelma Alencar, coordenadora do Núcleo de Formação Indígena da Uepa, a troca de saberes, desde métodos  pedagógicos até referências pessoais do viver é uma relação que garante a riqueza plural da sociedade, com ganhos para todos. "A Licenciatura Intercultural vem suprir uma lacuna específica, uma lacuna histórica da formação escolar de indígenas feitas pelos próprios representantes dos povos. Nem todas as escolas indígenas do ensino básico e fundamental são formadas por professores indígenas. Após esse momento inicial, as especializações e agora o mestrado buscam garantir o treinamento continuado entre os povos e o intercâmbio cultural entre as sociedades", afirmou.

Serviço: A 23ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes é uma ação do Governo do Pará por meio da Secretaria de Cultura (Secult) que segue até 1º de setembro no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia. O evento está aberto para visitação entre 10h e 21h com entrada franca.

Confira a programação da Feira aqui. 

 

Texto e Fotos: Nailana Thiely.